domingo, 21 de dezembro de 2008

Mar Negro

http://nacodenuvem.blogspot.com/2008/09/mar-vermelho.html

(...) E ao que me parece sou a única pessoa viva nessa praia, nesse momento. Afinal, me lembro de tudo agora. Deixo-me pender novamente para trás. Deito-me. Queria ser apenas mais um corpo.

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Novamente tenho dificuldades de abrir os olhos, mas dessa vez, quando o faço, não é a luz do sol que queima minha retina. Uma luz tão forte quanto, aparentemente para mim, pelo menos. São lâmpadas, luzes brancas. Estou em um hospital. Será que não me fiz entender quando pedi para ser apenas mais um corpo? Qual é o problema nisso? Porque as pessoas se intrometem tanto a ponto de pensar que podem salvar sua vida? Meu braço está com um curativo, mas ainda lateja... ainda sinto dor. Estou vivo. Eu não quero mais sentir dor. Não há ninguém no quarto, nem sinal de alguma lembrança, flores, fotos. Ou não me reconheceram ou estou muito longe de casa. Aonde eu estava quando isso tudo aconteceu? Eu queria estar longe de casa, queria ser mais um corpo, não quero sentir mais dor. O que ainda tenho que fazer nessa vida para que meus desejos sejam atendidos? A porta está se abrindo, provavelmente uma enfermeira. Vejo tudo preto novamente.
- Sinais estáveis, frequência cardíaca boa, respiração normal...
Sinto uma leve mão pousar sobre minha testa.
- Sem febre... não há mais infecções. O curativo não está mais sangrando... Foi por pouco, heim. Mas graças a Deus o senhor está vivo, foi difícil, mas fizemos tudo ao nosso alcance... e conseguimos mantê-lo vivo. O que falta para o senhor acordar, han?
Ouço barulho da enfermeira pegando alguma coisa na mesa de cabeceira ao meu lado. Papéis, caneta no papel, silêncio. Passos. Se foi. Está tudo claro de novo. Não queria a fazer triste com minha ingratidão por terem feito de tudo para me manter vivo. Algumas pessoas se importariam com isso. O que poderia me deixar feliz por isso? Quem está me esperando em casa de braços abertos por eu estar vivo? Eu não me lembro por causa dos ferimentos ou eu não me lembro simplesmente por não ter ninguém? As vezes a gente passa a vida inteira procurando alguém perfeito para você. Mas nos perdemos por pensar que alguém perfeito para você é alguém perfeito para o mundo. Eu nunca quis uma pessoa que fosse o tempo inteiro feliz, ou que fosse livre de sofrimentos. Talvez eu procurasse o extremo contrário por pensar que encontrando alguém assim, eu acabaria me curando, pois vivendo com um espelho, seria mais fácil de identificar os problemas. Acho que eu não encontrei ninguém assim. Com uma vida miserável e contraditoriamente atraente. Eu estou sozinho, aqui, nessa cama de hospital, porque não encontrei alguém tão infeliz quanto eu. Se isso fosse uma história e alguém estivesse lendo, minha covardia teria sido transparente logo no início. Apenas os tolos não notariam que eu não estava na guerra por puro patriotismo heróico, pois, diga-se de passagem, eu tinha a escolha de não estar ali. Eu estava na guerra por pura covardia. Que lugar mais próprio há para isso? Você põe tudo a perder, tudo o que você poderia lutar para ter. Uma vida inteira. Mas você é infeliz e não consegue por um fim nisso. Você vai para guerra e morre. Morre não diretamente por suas próprias mãos, mas por sua escolha e ainda morre como um herói. Você e suas amizades de guerra, todos são heróis nesse momento. Só que, você consegue ser tão sortudo que, na hora em que seu plano antagônico de vida está prestes a se realizar, alguém te, entre aspas, salva. Seria o final perfeito para minhas história... caso fosse uma. O que vai acontecer semana que vem? Vão me mandar de volta para casa. Para minha recuperação solitária. E as pessoas que julgam ser suas amigas, no início suprirão a carência inicial de um doente. Depois, por não perceberem a hora de parar, se tornarão sufocadoras, achando que por causa de uma ou duas palavras de afeto, você as considerava essenciais para sua vida. Não. Não são. Vocês não tem a importancia que imaginam. Não com a intensidade que imaginam. Eu procuro uma pessoa miserável que tenha a mesma fobia que a minha. Fobia de pessoas. Mas não, tudo voltará a ser como antes. Pessoas enjoativas ao meu redor, em busca da vida perfeita. Fúteis. Loucas. Insensíveis diante das reais peculiaridades que a vida nos mostra. Diantes dos verdadeiros detalhes que merecem atenção. Se preocupando mais com a vida dos outros do que com suas próprias. Querendo demonstrar por a + b que são melhores que você em alguma coisa. E esse buraco aqui dentro também continuará. Será que essas pessoas também se sentem assim? Ouço passos novamente. A porta se abre.
- Veja só! Finalmente o senhor acordou!
- Não fique tão feliz por isso... Eu não estou.

Um comentário:

Vicky disse...

deu horario desse texto já...