domingo, 15 de junho de 2008

Cantiga de Esponsais

(Publicado em Histórias sem data - 1884 - Machado de Assis)

"(...)Ah! se mestre Romão pudesse seria um grande compositor. Parece que há duas sortes de vocação, as que têm língua e as que não têm. As primeiras realizam-se; as últimas representam uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens. Romão era destas. tinha vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missa, um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir e pôr no papel. Esta era a causa única de tristeza de mestre Romão. Naturalmente o vulgo não atinava com ela; uns diziam isto, outros aquilo: doença, falta de dinheiro, algum desgosto antigo; mas a verdade é esta: - a causa da melancolia de mestre Romão era de não poder compor, não possuir o meio de traduzir o que sentia. Não é que não rabiscasse muito papel e não interrogasse o cravo, durante horas; mas tudo lhe saía informe, sem idéia nem harmonia. nos últimos tempos tinha até vergonha da vizinhança, e não tentava mais nada.
(...) Ideou então o canto esponsalício, e quis compô-lo; mas a inspiração não pôde sair. Como um pássaro que acaba de ser preso, e forceja por transpor as paredes da gaiola, abaixo, acima, impaciente, aterrado, assim batia a inspiração do nosso músico, encerrada nele sem poder sair, sem achar uma porta, nada. Algumas notas chegaram a ligar-se; ele escreveu-as; obra de uma folha de papel, não mais.(...)"

Um comentário:

Adrian Troccoli disse...

"uma luta constante e estéril entre o impulso interior e a ausência de um modo de comunicação com os homens"

Machado...não preciso falar mais nada.