quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
madrugada de um egoísta solitário (egoísta por ser solitário e solitário por ser egoísta)
saio para caminhas todos os dias, quando o relógio chega perto das duas da manhã. gosto da sensação de que somente eu estou caminhando na rua. no calçadão, a maresia invade meus pulmões e me deixa com um doce sentimento de leveza. o barulho do mar me acalma. as luzes amarelas, meio acobreadas dos postes parecem me acompanhar enquanto caminho. silenciosos em sua companhia, zelam para que eu não tope com alguma pedra portuguesa solta ou algum coco esquecido na calçada devido a calorosa tarde que fez hoje a tarde. agora o clima está agradável. não quero que ninguém me perturbe, porém não deixei meu celular em casa. levo-o comigo, para o caso de alguma urgência. minha família mora num bairro diferente do meu, todos no mesmo, em prédios separados. uns tantos, já em idade avançada, ocupam minha mente vez por outra imaginando em qual momento partirão, ou adoecerão de forma irremediável. de certo que, quando chegam a esse ponto nada podemos fazer para remediar, porém, não quero que quando liguem pra me avisar, não me encontrem em lugar algum. temo por isso. optei por morar aqui, nem tão longe, nem tão perto, mas que eu pudesse sair de madrugada e caminhar conversando com o mar, ao mesmo tempo que, sendo acionado em uma madrugada para comunicar a ida sem volta de algum parente, pudesse chegar a tempo de vela-lo junto a família. enfim, caminho, ouço o mar e presto atenção em meu celular no bolso. de vez enquando encontro em algum banquinho um casal de namorados, daqueles que não tem medo de ficar juntos, a essa hora da madrugada, silenciosos, somente sentindo o amor de um pelo outro em sua linguagem única. que só eles entendem em seu silêncio. tirei de outro bolso meu maço de cigarros, saquei um, coloquei-o em minha boca, e já começava a fazer pressão no isqueiro para acende-lo, mas meu ato pareceu-me muito propício a acontecer em um cenário assim... não estava com tanta vontade. era maior a vontade motora de pegar o cigarro e pô-lo na boca do que a de sentir sua fumaça em meus pulmões. continuei com o cigarro na boca, porém sem acendê-lo. meu passeio não tinha propósito até então, quando me lembrei o que havia me motivado hoje, para esse passeio. afinal, cada dia um motivo novo me fazia cumprir meus passeios. havia conhecido pessoas, e começava a criar vínculos com elas. fazía-o de forma cega, seguia os dias da forma como eles andavam. não tentava me intrometer no destino, nem mesmo evitava que as coisas acontecessem. ponto. estava começando a ultrapassar o plano da superficialidade, e quando isso acontece, um pavor me toma o corpo. era isso que eu estava sentindo aquela noite. o pavor. a rotina, a intimidade, as falas despreocupadas começavam a acontecer e continuariam enquanto eu não me desse conta disso. cheguei ao meu limite e agora estou aqui, eu, o mar, meu celular, o cigarro pedurado na boca e o pavor. acendí-o sem perceber. não o pavor, que já estava em brasa, mas o cigarro. tragava. preciso me fechar, preciso sumir por uns tempos, preciso parar de falar com as pessoas para que elas percebam que não tem o valor que acham que tem em minha vida. tchau. me esqueça por agora. não pense em mim como alguém que você poderá contar a qualquer hora, a qualquer lugar. não pense que são todas as pessoas que conseguem isso de mim. não pense que se me ligar de madrugada querendo contar algum infortúnio da sua vida irá me encontrar. esse crédito dou somente aos meus parentes semi-vivos. não tente nem se imaginar chegando à minha casa sem avisar, fazendo-me uma surpresa, não recebo pessoas que resolvem me visitar a hora que querem. é minha casa, meu horário. são as minhas regras. nós damos a mão, as pessoas querem sua alma. não. dou-te um cigarro e te ofereço fogo e conversa jogada fora. não espere mais, tão breve. não. eu gosto do sofrimento, de penar, de suar, se não houver um pouco de loucura não haverá valido a pena. não. amanhã não pretendo falar com ninguém. não sairei de casa a não ser para a minha caminhada, e assim farei por uma semana. o telefone se desconectará da parede, o celular, sem som, só será atendido nos casos que disse anteriormente. as pessoas precisam aprender qual são seus lugares. minha vida, minhas manias. são as minhas regras. e ai de quem não gostar. a maresia e a nicotina, agora, domaram meu pavor. respiro fundo o cheiro do mar e dou uma última tragada. apago meu cigarro, e volto rumando minha casa... esta na hora de me entocar.
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Um comentário:
" A tristeza é uma forma de egoísmo".
Gostei, é triste ,rabugento, e sem remedio.
será que remediado está?
=*
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