O relógio marcava 3 horas, um vento frio cortava os lábios dos dois amigos que estavam sentados em um banquinho no calçadão da praia. o dia estava frio, típica tarde de inverno. o céu não estava bonito, sua cadência de cores ia do cinza ao preto, com umas pontinhas raras de nuvens brancas, porém não chovia. o mar estava agitado, as ondas quebravam com certa fúria. um cenário perfeito pro assunto que iria surgir.
Nesse momento eles estavam em silêncio, mas já haviam falado bastante naquela tarde. cada um segurava um copinho descartável de café pra tentar se aquecer enquanto permaneciam ali. Matheus fumava, Carlos não.
essa era uma amizade de longa data, do alto de seus 30 anos, há pelo menos 20 podiam considerar-se amigos. se conheciam como ninguém. cada um sabia de cor as manias e os jeitos do outro, estavam sempre juntos, não passavam uma semana sem que se vissem ou pelo menos se telefonasse. apesar disso levavam uma vida completamente diferente. Matheus tinha uma família, era casado, tinha uma filha de 5 anos, emprego, casa própria, contas atrasadas pra pagar, chefe pra aturar, sogra pra brigar, e todas essas coisas típicas de um homem de família. sustentava seu vício do cigarro e da bebiba.
Carlos não. morava sozinho, de aluguel, tinha uma namorada e uma relação boa com ela, não tinha filhos, tinha um emprego e um chefe também, porém era amigo dele, não fumava e, de vez em quando, rolava umas biritas num final de semana à noite.
- carlos...?
- hum...
- ... você tem medo da morte?
- cruzes matheus, que pergunta! ficar falando nesses coisas atrai, eu heim!!
- não, sério porra, responde! você tem medo da morte??
- ... não sei, nunca parei pra pensar muito sobre isso...
- na verdade você nunca para pra pensar sobre nada, né...
- por isso que eu vivo bem! mas... me diz, porque perguntou isso, assim, agora, do nada?
- não sei, tenho pensado muito nisso ultimamente... na morte e na vida...
- e...?
- e percebi que de oposto elas não tem nada, elas se completam, como se fossem ligadas, ou melhor, uma coisa só com dois nomes diferentes. e as pessoas tem preconceito com a palavra morte, por puro egoísmo, porque quando alguém morre, você fica triste, sente falta, mas faz parte da vida, a morte é a continuação da vida, não se evita, não pode ir contra, não se escolhe... é que nem a vida, você não escolhe nascer assim como se não escolhe se vai deixar de morrer pra poder viver um pouco mais...
- você pode escolher sim, se quer morrer ou não... se eu quiser, agora, me jogo no mar e me deixo afogar... não?
- sim, é verdade... você pode escolher morrer, de fato, mas você não pode evitar a morte em si. assim como você pode escolher viver. mas você não pode escolher nascer.
- huumm... mas se eu escolho viver, significa que eu escolho não morrer... então, eu escolhi não morrer.
- você tem a opção... mas quando a natureza ou a fatalidade resolvem que elas têm que acontecer, não há quem para impedir. percebe a ligação? você não pode falar de uma sem mencionar ou sequer lembrar da outra. a vida e a morte caminham juntas...
- então vida e viver, morte e morrer não são a mesma coisa?
- tem o mesmo princípio, mas não são a mesma coisa. a vida você tem e pronto... viver é uma opção. assim como a morte.
- acabar com a vida... escolher morrer... tem que ser muito covarde para escolher essa opção, né?
- ou muita coragem... já pensei sobre isso, mas não consigo definir o que acho sobre... a pessoa é corajosa demais por ter escolhido o caminho que não tem volta? por ter optado por deixar tudo pra trás, amigos, parentes, sentimentos, lugares a ir, coisas a descobrir, emoções a sentir, tudo que ainda não tinha visto e que um dia iria conhecer?
- ou se foi covarde por não ter tido força pra enfrentar todos os obstáculos que a vida ainda ia impôr-lhe e escolheu o caminho mais fácil, que é o de negar a tudo e por um fim?
- exatamente... mas, quem foi que disse que esse é o caminho mais fácil? o que vai acontecer quando você morrer, é um caminho sem volta mesmo? quem disse que escolher morrer, vai ser mais fácil do que enfrentar tudo aquilo que a vida ainda ia nos impor?
- é verdade... mas não dizem que, só acontecem coisas na nossa vida das quais seremos capazes de aguentar?
- é, dizem, mas as pessoas que se matam, não foram capazes de aguentar...
- ou não... ou isso também faz parte desse dito, por um fim a vida... não e qualquer um que consegue, aguenta.
- são tantas perguntas...
- por isso que eu escolhi viver sem ter que fazê-las...
- eu não consigo... minha vida ia ficar sem sentido se eu vivesse sem pensar em nada.
- ah é? e é esse sentido que você quer dar a sua vida...? passar a vida inteira se perguntando coisas que você nunca vai obter as respostas, a não se quando morrer, e mesmo assim, ninguém vai te garantir se assim você as terá!
- exatamente... se não for assim, como vai ser?
- apenas viva...
- mas pra que? pra que que eu acordo todo dia de manhã, dou bom dia pra Martha, um beijo na minha filha, me arrumo, vou trabalhar, trabalho que nem um filho da puta. recebo o salário no final do mês pra poder sustentar a minha vida, pra comprar comida, roupa, pagar o colégio da minha filha... e continuo trabalhando, pra poder viver. e eu vivo pra trabalhar, porque o trabalho me consome e eu tenho que trabalhar senão eu não consigo me sustentar... eu trabalho pra pagar a minha comida, e eu me alimento porque senão eu não consigo viver, nem trabalhar. eu trabalho pra poder conseguir comprar minhas roupas, pra me vestir, porque sem isso eu não consigo ir trabalhar, eu trabalho pra pagar a educação da minha filha, pra dar um futuro a ela, pra que ela consiga trabalhar e se sustentar... eu trabalho pra conseguir o salário que vai por essa mesma comida no meu prato de novo, que vai me vestir, que vai fazer tudo pra que eu tenha condições de trabalhar... eu vivo num ciclo, vicioso e imundo, eu trabalho pra viver e vivo pra trabalhar!!!
- e tudo isso... pra morrer no final.
- você também não está livre disso, carlos!
- eu sei que não, mas eu não sou neurótico que nem você, matheus! eu vivo pra trabalhar, trabalho pra viver, mas no meio disso eu faço mais coisas... não fico consumindo minhas energias que nem você, pensando sobre isso e se amargurando...
- eu não quero viver que nem um ignorante...
- a sabedoria trás infelicidade, juro... já ouviu isso... "a vida mais agradável é a que transcorre sem nenhuma espécie de sabedoria."? pois é, essa é a minha filosofia de vida.
- mas eu não consigo viver sem dar um sentido a vida...
- e quem diabos disse que esse é o sentido certo da vida? ou pelo menos saiba dosar seus pensamentos, você não se permite viver sem se sufocar! a vida é uma opção não só em relação à morte mas também à tudo que você vai fazer ao decorrer dela! feche os olhos um pouco para sua vida... tenta fazer isso... por uma semana, pelo menos. vamos combinar?
- carlos, por favor né...
- por favor o caralho... tá combinado, feche os olhos, tente acabar com essa obsessão por pensar, lembre-se você tem o livre-arbítrio dos seus pensamentos, se controla, eu olho pra você... nós temos a mesma idade e olha a sua cara! você tá sempre com cara de cansado de acabado... e continua achando que essa é a forma mais feliz de se viver? a não ser que seja assim que você queira... não entendo o porque, e nem vou ficar pensando qual seria o motivo... hum... e eu tenho que ir embora, marquei de encontrar a Marina e to atrasado há mais de uma hora... sábado eu quero te ver aqui, sentado de novo, nesse banquinho, me contando suas novas experiências de vida... me liga durante a semana pra falar se tá tudo bem...
- ... tá.
- me dá um abraço.
E se abraçaram. Se soltaram e Carlos levantou-se para ir encontrar sua namorada. Matheus permaneceu ali, sentado naquele banco olhando o mar, por mais 2 horas além da despedida. Pensando.
2 comentários:
historia sem fim=cronicas que narram o cotidiano..
gosteii gostei
tem continuação não neh?
palmas*
não...
a continuação tá na sua cabeça!
;)
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